O jogo Cruzeiro e Real Garcilaso, pela primeira fase da
Taça Libertadores da América na quarta-feira (11/2), foi marcado pelo show de
intolerância e pela falta de educação dos torcedores do time peruano. O jogador
Tinga, ao pegar na bola era xingado, vaiado e humilhado no estádio Huancayo, no
Peru. Da arquibancada eram emitidos sons e gestos característicos de macacos
com o intuito de desqualificar o jogador.
As imagens, que correram o mundo, causaram espanto e
indignação. Ao terminar a partida, o jogador estava emocionado e incomodado.
Deu uma entrevista à beira do campo dizendo que trocaria todos os títulos da
carreira por uma solução que erradicasse definitivamente o racismo dos estádios
em todo mundo. No Brasil, a cobertura esportiva foi intensa. A imprensa não
perdeu tempo, repudiou os atos racistas da torcida, cobrou uma postura enérgica
da CBF e Comenbol (Confederação Sul-Americana de Futebol).
A imprensa esportiva mais uma vez demonstra certa
dificuldade em tratar das questões que fogem ao âmbito esportivo. Falta
aprofundamento, um debate em que sociedade e imprensa caminhem de mãos dadas,
com objetivo de deslindar a questão ou quem sabe até mesmo criar uma mesa
redonda para discutir essa relação entre preconceito e esporte. Esse é um
fenômeno atual, ou será que sempre foi dessa forma? A imprensa esportiva
simplesmente apontou o dedo para os atos racistas da torcida peruana
esquecendo-se de olhar para dentro de casa. Será que nós, brasileiros, não
somos racistas?
As teorias racialistas existem desde o século 19 até a
ciência foi usada para tentar comprovar a inferioridade intelectual dos negros.
O que se viu durante o desdobramento da história do jogador Tinga foi
desconhecimento ou até mesmo desinformação por parte de quem pretendia discutir
o assunto. Alguns colunistas esportivos, em sites, rádios e jornais, afirmavam categoricamente
que a América do Sul é um continente atrasado, preconceituoso e hipócrita. Mas
essa não é uma situação diferente no continente europeu – por lá, os atos
racistas tem sido cada vez mais recorrentes. Comentários como esse, que vimos e
ouvimos disseminados pela mídia, são tão preconceituosos quanto os atos
racistas vistos no Peru.
O brasileiro acredita que vive em uma democracia racial,
luta pela manutenção da imagem do homem cordial e esquece o quanto o racismo
está entranhado no cotidiano. A questão não é apenas cultural, social ou
econômica, pois colocar o racismo ancorado nesses pilares é minimizar e
naturalizar tema. A sociedade fecha os olhos para o preconceito racial, que só
parece existir quando o jogador é achincalhado ou quando a manicure é
discriminada pela cliente no salão de beleza.
Da chegada de médicos cubanos, recebidos de forma hostil,
à quantidade de jovens negros que são mortos pela polícia na guerra das ruas e
o fato de termos que programar um sistema de cotas para que negros e pobres
tenham acesso ao ensino superior são exemplos que mostram o quanto o racismo
está arraigado na sociedade.
Uma das funções do jornalismo é prestação de serviço,
tocar em questões que incomodam. O que é reproduzido no futebol é o reflexo do
que ocorre na sociedade como um todo. Enquanto não olharmos o quanto somos
racistas, enquanto não tentarmos entender a origem do nosso preconceito, as
cenas que ocorreram com o jogador do Cruzeiro, além de outras que fingimos não
enxergar, irão se repetir.
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