No dia 20 de novembro (quarta-feira) foi celebrado o dia da Consciência
Negra, portanto, feriado nacional que tem por objetivo a reflexão sobre
o posicionamento do negro na sociedade brasileira. A data escolhida
coincide com o aniversário da morte de Zumbi dos Palmares, considerado
um dos símbolos da resistência negra à escravidão de forma geral. Como
não poderia deixar de ser, a pauta explorada por todas as mídias,
principalmente pela televisão, versava sobre o racismo, a importância
cultural do negro e o seu papel no imaginário de uma sociedade que se
intitula plural.
O programa Encontro com Fátima Bernardes, da Rede Globo de
Televisão, abordou o tema preconceito racial justamente no dia reservado
à Consciência Negra. A proposta era aprofundar a questão através dos
depoimentos de representantes da sociedade. O conhecido sofá onde todos
se encontram era composto por três atrizes brancas, um ator negro, um
cantor de rap negro, uma educadora branca, na função de especialista, um
menino negro, por volta dos 10 anos de idade, e um médico negro. A
plateia do programa, naquele dia em especial, era composta em sua
maioria por pessoas negras.
É muito interessante ver a forma adotada pelo programa e, logicamente,
pela emissora para tocar em um assunto extremamente delicado, para o
qual todos insistem em fechar os olhos e acreditar que todas as vezes
que o tema é abordado está se tocando em uma velha ferida que já fora
cicatrizada com a passagem do tempo.
Como todo programa de auditório, o da jornalista/apresentadora Fátima
Bernardes tem a função de entreter e trazer informação. A semiótica é
usada na formação de uma linguagem onde, teoricamente, todas as vozes
são representadas. Mais uma vez, a mídia hegemônica tenta disfarçar o
seu discurso homogeneizante, através da fala sincrética.
Emoção à distância
O tempo da televisão costuma ser exíguo. Portanto, exigir
aprofundamento em temas complexos se torna extremamente complicado, mas
um debate de qualidade é possível. O programa reproduziu o velho racismo
ao qual estamos acostumados a assistir. Fátima cumpriu o seu papel de
apresentadora, mas a fórmula jornalística esteve, como sempre, presente
na atração. Uma prática comum no jornalismo ter a figura do
especialista, o estudioso que fundamenta a argumentação, neste caso
representada pela educadora branca. Outra vez, o negro não é chamado
para debater questões pertinentes aos seus pares. É como se não
existissem pensadores negros, capazes de discutir a história do seu povo
e o seu posicionamento na mídia.
Aos negros presentes, sentados ao sofá, restaram os relatos empíricos.
Foram realizados os velhos questionamentos, os convidados negros
contaram como fazem para se defender do racismo sofrido diariamente.
Naquele momento, a oportunidade de reforçar e criar uma referência para o
menino negro – que estava justamente reivindicando e relatando o quanto
lhe causava estranheza a ausência de personagens que retratem a
história do seu povo – foi jogada fora.
No grande jogo das representações, ao qual a televisão pertence, mais
uma vez é oferecida ao branco a voz para falar de uma prática que sempre
foi perpetrada por ele mesmo, e lhe foi dado o lugar do
intelectualmente superior. Quando assistimos a esse tipo de prática, um
debate que tinha tudo para ser enriquecedor acabou se diluindo. A
televisão, quando faz isso, desperdiça todo o seu potencial educacional.
Naquela manhã de quarta-feira, o Encontro com Fátima Bernardes
apenas ratificou o que foi dito por Vinicius de Moraes no “Samba da
Benção”: “Porque o samba nasceu lá na Bahia./ E se hoje ele é branco na
poesia./ Se hoje ele é branco na poesia./ Ele é negro demais no
coração.” Aos negros cabe apenas o lugar da emoção à distância da
intelectualidade, do pensamento pertence aos brancos. Enquanto for dessa
forma, será mínimo o número de negros nos cursos de medicina, direito e
engenharia. Enquanto isso, a universidade segue dividida em cursos para
negros e cursos para brancos. É o tudo segregado e separado, trajado de
tudo junto e misturado.
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