segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Macaco, olha o seu rabo



O jogo Cruzeiro e Real Garcilaso, pela primeira fase da Taça Libertadores da América na quarta-feira (11/2), foi marcado pelo show de intolerância e pela falta de educação dos torcedores do time peruano. O jogador Tinga, ao pegar na bola era xingado, vaiado e humilhado no estádio Huancayo, no Peru. Da arquibancada eram emitidos sons e gestos característicos de macacos com o intuito de desqualificar o jogador.
 As imagens, que correram o mundo, causaram espanto e indignação. Ao terminar a partida, o jogador estava emocionado e incomodado. Deu uma entrevista à beira do campo dizendo que trocaria todos os títulos da carreira por uma solução que erradicasse definitivamente o racismo dos estádios em todo mundo. No Brasil, a cobertura esportiva foi intensa. A imprensa não perdeu tempo, repudiou os atos racistas da torcida, cobrou uma postura enérgica da CBF e Comenbol (Confederação Sul-Americana de Futebol).
 A imprensa esportiva mais uma vez demonstra certa dificuldade em tratar das questões que fogem ao âmbito esportivo. Falta aprofundamento, um debate em que sociedade e imprensa caminhem de mãos dadas, com objetivo de deslindar a questão ou quem sabe até mesmo criar uma mesa redonda para discutir essa relação entre preconceito e esporte. Esse é um fenômeno atual, ou será que sempre foi dessa forma? A imprensa esportiva simplesmente apontou o dedo para os atos racistas da torcida peruana esquecendo-se de olhar para dentro de casa. Será que nós, brasileiros, não somos racistas?
 As teorias racialistas existem desde o século 19 até a ciência foi usada para tentar comprovar a inferioridade intelectual dos negros. O que se viu durante o desdobramento da história do jogador Tinga foi desconhecimento ou até mesmo desinformação por parte de quem pretendia discutir o assunto. Alguns colunistas esportivos, em sites, rádios e jornais, afirmavam categoricamente que a América do Sul é um continente atrasado, preconceituoso e hipócrita. Mas essa não é uma situação diferente no continente europeu – por lá, os atos racistas tem sido cada vez mais recorrentes. Comentários como esse, que vimos e ouvimos disseminados pela mídia, são tão preconceituosos quanto os atos racistas vistos no Peru.
 O brasileiro acredita que vive em uma democracia racial, luta pela manutenção da imagem do homem cordial e esquece o quanto o racismo está entranhado no cotidiano. A questão não é apenas cultural, social ou econômica, pois colocar o racismo ancorado nesses pilares é minimizar e naturalizar tema. A sociedade fecha os olhos para o preconceito racial, que só parece existir quando o jogador é achincalhado ou quando a manicure é discriminada pela cliente no salão de beleza.
 Da chegada de médicos cubanos, recebidos de forma hostil, à quantidade de jovens negros que são mortos pela polícia na guerra das ruas e o fato de termos que programar um sistema de cotas para que negros e pobres tenham acesso ao ensino superior são exemplos que mostram o quanto o racismo está arraigado na sociedade.
 Uma das funções do jornalismo é prestação de serviço, tocar em questões que incomodam. O que é reproduzido no futebol é o reflexo do que ocorre na sociedade como um todo. Enquanto não olharmos o quanto somos racistas, enquanto não tentarmos entender a origem do nosso preconceito, as cenas que ocorreram com o jogador do Cruzeiro, além de outras que fingimos não enxergar, irão se repetir.