terça-feira, 18 de outubro de 2011

A televisão é um veículo de natureza controversa


Segunda-feira retrasada (3/10), o programa CQC, da Rede Bandeirantes, foi ao ar sem um de seus apresentadores Rafael Bastos Hocsman, conhecido do grande público como Rafinha Bastos. O apresentador foi afastado do programa por ter feito uma piada de gosto duvidoso sobre a cantora Wanessa, filha de um famoso cantor sertanejo. Esta não é a primeira vez que a qualidade do humor feito pelo apresentador/humorista é posto em xeque. Constantemente seus comentários são alvos de críticas, até mesmo de seus colegas de profissão. Rafinha já chamou a apresentadora de um desses programas matinais de “cadela”, pois a moça tinha certa dificuldade na pronúncia da palavra “octogon” (ringue onde acontecem as lutas de MMA); outra “piada” de grande repercussão foi que mulheres feias deveriam agradecer aos estupradores os serviços prestados, e não denunciá-los às autoridades.
A existência de uma linha tênue entre o humor e o mau gosto se torna nítida quando fatos como esses ocorrem, mas impedir o apresentador de trabalhar acaba soando como um ato radical. O humorista faz parte de uma geração de comediantes adepta do stand up comedy, uma forma de fazer humor importada dos EUA, onde o humorista interage com a platéia, trazendo questões do dia-a-dia e do cotidiano. Sucesso total na internet, seu perfil no Twitter é um dos campeões de audiência, com mais de três milhões de seguidores, tornando-o um dos mais influentes na rede social. Seu êxito é tão grande que a emissora concedeu ao apresentador mais um programa em sua grade. Seu comentário foi tão devastador que seu colega na bancada do CQC, o também apresentador/humorista Marco Luque, fez duras críticas ao companheiro de programa. Luque é amigo do marido de Wanessa, que por sua vez é sócio de um ex-grande jogador de futebol em uma empresa de marketing esportivo, que tem o perfil na mesma rede social, onde o apresentador é o “rei”, patrocinado por uma operadora de celular, empresa essa que é representada pelo humorista, um de seus garotos-propaganda. Alguns artistas mostraram-se solidários à cantora e ao seu marido e indignados com os comentários feitos por Rafinha Bastos.
Em pleno horário nobre
A punição ao apresentador nos remete a uma época nebulosa da história do país, onde a censura determinava aquilo que deveria ser visto ou ouvido pela população – aliás, esse é um tema que está em discussão no Congresso Nacional, a lei de regulamentação da imprensa. Lei essa que se não for analisada com extremo cuidado pode acabar ferindo a liberdade de expressão, que é um direito assegurado pela Constituição que rege o país. O Poder Judiciário existe para que a sociedade se defenda e procure seus direitos, caso se sinta ofendida ou lesada. A televisão costuma ser um veículo de natureza controversa. Da mesma forma que vemos programas fazendo campanha contra a violência nas ruas, contra o bullying ou violência no trânsito, vemos esses mesmos programas exaltando os lutadores de MMA (Mix Martial Art). Nesse momento, a mensagem possui um sentido dúbio. Violência gera violência, mas espancar o seu semelhante no ringue é permitido, a prática se torna saudável e ganha status de esporte. Tem lutador que ostenta um discurso religioso, impregnado de moral, uma espécie de “gladiador do Senhor” que, em nome de Deus, espanca os adversários.
Da mesma forma que a censura ao comercial da modelo de lingerie que resolve as questões do dia-a-dia usando da sensualidade, sob a alegação que o anúncio sugere uma mensagem sexista e machista, embora o mesmo veículo aprove personagens com forte apelo erótico que usam o corpo para ascender socialmente. Tudo isso ocorre em pleno horário nobre, como se tais atitudes fossem corriqueiras. E as músicas de duplo sentido, que têm uma conotação estritamente sexual, será que essas também serão proibidas ou suspensas?
Amanhã quem iremos calar?
Punições e suspensões radicais, ao invés de educarem, acabam aumentando a importância do fato. Nessas horas, a emenda costuma sair pior que o soneto. A melhor saída para quem se sente ofendido é trocar de canal, mandar carta para a emissora, ir buscar os direitos dentro da lei, mas isso só será possível a partir do momento em que a população for educada para reivindicar seus direitos. Ninguém é obrigado a consumir a programação da televisão. Uma das funções do veículo televisão é de narcotizar, entreter e controlar a população. Em tempos de internet, a corrida é pelo furo jornalístico, informar está em segundo plano. A população é inundada de informações para que o foco sobre o que é realmente importante seja minimizado. As grandes empresas de comunicação buscam quantidade, e não qualidade em suas informações.
Poetas e humoristas têm como função social denunciar falhas no sistema através de sua arte. É inconcebível qualquer tipo de censura, suspensão ou mordaça. Piadas ou comentários de mau-gosto devem ser ignorados ou criticados, e não silenciados. Hoje, calamos os humoristas e amanhã quem iremos calar?