terça-feira, 29 de março de 2011

O imperador da solidão


O noticiário esportivo anda às voltas com o retorno jogador Adriano. A imprensa adora as algazarras protagonizadas por uma das personalidades mais controversas do futebol – aliás, o velho e violento esporte bretão está repleto destas figuras.
Podemos começar por Heleno de Freitas, craque da década de 1930, apelidado de "Gilda" por seus amigos do Clube dos Cafajestes e pela torcida do Fluminense. O apelido era uma referência ao filme de mesmo nome estrelado pela atriz norte-americana Rita Hayworth. Dono de um temperamento explosivo, Heleno era um craque de bola, mas a genialidade para realizar grandes jogadas dentro do campo era a mesma para arranjar confusões fora dele.
Se fizermos uma linha do tempo e nos ampararmos na história, veremos craques como Garrincha, "o anjo das pernas tortas", Edmundo, "o animal", Paulo César "Caju", Bruno ex-goleiro do Flamengo, verdadeiros craques da bola, porém sempre envolvidos em confusões, polêmicas e, no caso deste último, a acusação de envolvimento no desaparecimento da mãe de um de seus filhos, concebido fora do casamento. O último caso de insubordinação noticiado foi do promissor craque do Santos Neymar, mas nesse caso os dirigentes correram para conter aquilo que poderia se tornar um problema indigesto.
As peripécias do Adriano são todas conhecidas. Principalmente após ter alcançado a fama, sua carreira é marcada por atrasos em treinos após noitadas, fotos com objetos que parecem armas de verdade, moto em nome de traficantes procurados financiada com seu dinheiro, briga com a ex-noiva após um baile na comunidade, carteira de motorista apreendida em blitz policial, flagras ingerindo bebida alcoólica durante sua recuperação após cirurgia no ombro – enfim, uma vida repleta de "aventuras". Adriano nunca foi um craque com a bola nos pés. Alguns costumavam chamá-lo de centro-avante "trombador". Nessa época, iniciara sua carreira no Flamengo, alcançou destaque no clube carioca e, logo em seguida, transferiu-se para a Europa. Depois de algumas temporadas na Itália, Adriano ficou fisicamente forte, seu chute de "canhota" virou uma "bomba" e logo ganharia fama, dinheiro, mulheres e o apelido que ostenta até hoje – "Imperador".
Histórias polêmicas, problemas e privilégios
O primeiro Adriano da história governou Roma durante o período de 117 a 138 d.C. e pertenceu à dinastia dos Antoninos, sendo considerado um dos "cinco bons imperadores". Filho de colonos romanos moradores do sul da Hispânia e primo do imperador Trajano, foi nomeado sucessor deste por uma série de dignidades públicas que o fizeram aparecer como herdeiro do trono do Império Romano. Considerado o Imperador Ambulante, Adriano construía cidades por onde passava, erguia monumentos com motivações políticas, perto de Roma fez a grande Villa que até hoje leva seu nome, Villa Adriana, era um amante da arte e um apaixonado por arquitetura. O imperador Adriano parece ter passado 12 anos do seu reinado fora de Roma.
Assim como homônimo, o imperador dos campos passou grande parte da sua vida fora do seu reinado na comunidade Vila Cruzeiro, Rio de Janeiro. Considerado bom parceiro pelos amigos de trabalho, as festas eram sempre organizadas pelo jogador. Com o falecimento do pai, em 2006, a sua carreira entra em colapso. No mesmo ano, Adriano e todo grupo que fez parte da delegação brasileira foram duramente criticados por toda mídia esportiva, após o fraco desempenho na Copa do Mundo daquele ano. Em seguida, o artilheiro retorna à Internazionale de Milão e, junto com ele, problemas com o peso, álcool e "noitadas" começam a ecoar na mídia esportiva italiana. Enviado ao Brasil, seu trabalho de recuperação é realizado no São Paulo Futebol Clube e, após um mês de tratamento, o clube paulista o contrata por empréstimo por um período de seis meses.
Aparentemente recuperado, Adriano retorna ao clube italiano. Em abril de 2009, o atleta abandona o treino na Itália e se refugia no Brasil. O sumiço causa espanto, chega-se a cogitar a morte do jogador, que resolveu passar uma temporada na casa de familiares no dia 9 de abril de 2009. Uma entrevista coletiva é marcada, o jogador anuncia seu desejo de largar o futebol – a alegria de entrar em campo havia se perdido. Muitos elogiaram a coragem do jogador, pois é sempre muito complicado abandonar os gramados. Era consenso que o "Imperador" ainda tinha muito a oferecer aos torcedores. O que estava acontecendo? Três semanas depois, Adriano e o clube italiano chegam a um acordo, o seu contrato é rescindindo, fato que faz com que o jogador tenha o tempo necessário para recuperar a sua forma física e, acima de tudo, a sua saúde mental. Mas, como uma fênix, o "imperador" ressurge das cinzas e assina contrato com Clube de Regatas do Flamengo.
Naquele ano, Adriano seria campeão brasileiro e um dos artilheiros do Campeonato Brasileiro, mas como não poderia deixar de ser, sua passagem pelo clube rubro-negro é carregada de histórias polêmicas, antigos problemas batem à porta do clube e do atleta e os privilégios concedidos espocam como uma bomba na imprensa esportiva.
Referência para sua comunidade
Alguns dizem que benefício de "estrela" é ter um salário maior que o dos outros companheiros de clube; outros são a favor, pois craque é quem faz a diferença. Só que Adriano já não vinha mais fazendo a tal diferença e nem era considerado craque. Com isso, uma transferência novamente para Itália parecia a solução dos problemas acumulados por uma imagem desgastada. Era frequente a sua aparição na mídia, não só no diário esportivo, mas agora também nas páginas policiais. Assim, a ida para capital italiana se transformara em ótima oportunidade para consolidar a carreira e recuperar a credibilidade diante dos torcedores do Velho Continente. Porém, seu desempenho é pífio. A saudade dos familiares, o relacionamento ruim com o técnico, as contusões e problemas fora do campo se tornam fatores determinantes para a rescisão do contrato entre clube e o jogador. Mais uma vez, o "Imperador" está livre para retornar ao seu reino, nos braços da família, dos amigos e, claro, das noites cariocas.
Adriano simboliza uma geração de homens da pós-modernidade que ainda não conseguem entrar em contato com suas limitações e fraquezas, pois tudo é camuflado pelo grande acúmulo de capital, pela fama repentina, pelos carros importados e pelas capas de revistas masculinas. O "Imperador" não se deu conta da solidão em que se encontra e ainda não sabe como se relacionar com esse vazio interno que machuca e corrói a alma. Assim como ele, existe uma geração que está em busca do pertencimento, que para ele ora está na Itália, ora está na Vila Cruzeiro, ora em lugar nenhum. Em todas essas histórias, o que existe é um pedido de socorro. O atleta denuncia algo que é comum a todos nós, um traço que nos constitui enquanto espécie humana. Não fomos preparados para suportar a solidão moral, uma condição que nos ofende, nos magoa e nos incomoda – essa é uma ferida narcísica que nunca irá cicatrizar.
A torcida é para que o atleta entenda seu papel, encontre o seu lugar, alcance a paz interior e, dessa forma, deixe de fazer o jogo do sistema e assim se torne uma referência para sua comunidade, para garotos que se espelham nele como grande jogador de futebol e que um dia sonham obter os títulos por ele conquistados e, quem sabe, assim se tornarem os "imperadores" de suas próprias vidas.

terça-feira, 15 de março de 2011

As pérolas do Rei do futebol

Pelé (Agência Estadão)


As declarações de Pelé, o maior atleta do século 20, sempre ganham uma grande repercussão na imprensa esportiva, desde o mais simples comentário até a mais "profunda" análise. A história de Pelé com imprensa já vem de longa data. Em 1969, após a marcação do milésimo gol, dedicado às crianças carentes, outras declarações polêmicas foram surgindo ao longo dos anos e sempre através de comentários como "o povo não sabe votar", durante o regime militar, profetizando resultados como a final da Copa de 1998, ou dizendo quando os atletas devem se aposentar. Alguns não deixaram por menos, como o ex- jogador Romário, que disse: "Pelé com a boca fechada é um poeta."
Como não poderia deixar de ser, o maior jogador de futebol de todos os tempos teve a sua opinião publicada sobre a disputa entre os clubes Palmeiras, Grêmio e Flamengo acerca da contratação do jogador Ronaldinho Gaúcho. Como na época em que brilhava nos campos, Pelé bateu de primeira e disparou o seguinte comentário. "Se ele realmente ama o Grêmio, como ele diz, pode jogar de graça lá. Está com a vida feita, não é mesmo? É a minha opinião. Quando eu jogava no Santos, em 1974, havia dificuldade financeira e eu abri mão do salário."
O último comentário do rei do futebol a respeito desse tema foi seguinte: "Os atletas não deveriam nunca se esquecer de jogar por amor ao time e ao futebol. Os jogadores amam quem paga um pouco mais. Às vezes, eu os provoco dizendo que hoje eles ganham em um ano o que eu ganhei em dez." Será que esse é o mesmo Pelé que se recusou a jogar em 1974, pois exigiu um "bicho" maior que o dos outros jogadores e que tempos depois, em uma entrevista coletiva, afirmou não ter jogado devido às atrocidades acontecidas no período da ditadura militar, sendo que o mesmo era garoto-propaganda da Embratel, até então empresa estatal constituída no mesmo período?
Vida e imagem
Já se foi o tempo em que o futebol era uma mera brincadeira de criança e o sonho de todo menino era apenas enganar o adversário com dribles desconcertantes. A partir de 1958, o futebol se torna profissional, o país ganha projeção internacional. Além de Pelé e Garrincha, uma dinastia de craques encantou o mundo através das décadas. Em 1970, Gérson, Rivelino, Tostão, Paulo César "Caju" assombraram o mundo. Mais tarde, a tão famosa seleção brasileira de 1982, com Zico, Sócrates, Júnior, Falcão e Leandro encantou a todos com futebol-arte. Já na década de 90, o cenário foi comandado por Romário e Bebeto, que levaram o Brasil ao tetracampeonato mundial e, no ano de 2002, craques como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo nos elevaram ao status de pentacampeões mundiais. Na atualidade Neymar, Ganso, Lucas e Phillipe Coutinho são as garantias de um futebol bem jogado, de alto nível, como costumam dizer os especialistas.
Ao longo dos anos, a CBF vem acumulando cifras astronômicas vindas de patrocínios, amistosos internacionais, direitos de transmissão de jogos e campeonatos. O próprio Pelé, após 1974, ano em que jogou no Santos de graça, encerrou a carreira para jogar no Cosmos, de Nova York. Será que ele fez filantropia por lá? O discurso do rei se torna anacrônico. O futebol de hoje não é mais o futebol de ontem. Com a chegada da globalização, o velho e violento esporte bretão se torna uma esperança para que milhares de famílias deixem a linha da pobreza e assim a tão sonhada ascensão social.
Pelé usa de argumentos antiquados para defender uma causa romântica que não cabe mais no futebol de hoje, que faz parte da indústria de entretenimento que ele mesmo ajudou a construir, principalmente com a Lei Pelé, que acaba com o monopólio e a escravidão dos clubes sobre os jogadores, dando-lhes liberdade de ir para onde desejarem, ou melhor, para onde pagam mais. As grandes estrelas do espetáculo são os jogadores. Não há problema algum que se mude de clube ou que se almeje apenas a grana, pois hoje a palavra de ordem é o profissionalismo e o importante é o atleta honrar a camisa do clube que defende naquele momento. Aliás, o próprio vive até hoje da imagem ligada ao futebol.
Tão importante quanto jogar bola
Ninguém vê o ex-jogador dizer que vai deixar ao Santos uma parte da fortuna adquirida ao longo dos anos, tendo em vista que sua imagem é até hoje ligada ao clube que sempre defendeu. A relação se torna retroalimentar à medida em que ambos ganharam com essa parceria que durou quase duas décadas.
Cabe a nós questionarmos o que será feito com os jovens craques que muitas vezes não vemos jogar em nossos campos. Tudo que é tocado pelo capitalismo, pela globalização e pelo marketing se transforma em mercadoria. Já que o processo é irreversível, cabe a nós nos prepararmos, nos organizarmos, nos estruturarmos internamente para podermos fortalecer a nossa liga e os nossos clubes, valorizando assim o nosso patrimônio, que são os jogadores e a torcida. Devemos mostrar aos nossos garotos que o futebol não é a única saída; estudar é tão importante quanto jogar bola. Deixemos de lado o juízo de valor, a crítica que não gera a reflexão e vamos debater qual é o efeito dessas práticas mercantilistas sobre a sociedade e sobre o futebol e que acabam distanciando o povo do espetáculo.